7.07.2013

Beijo-te

Caminho apressado. Um ombro ali, um cotovelo acolá. Olhares fugazes de gente apressada. Caminho devagar afinal. Vou saboreando cada passo. Apercebo-me disso agora.
Vou sentindo a brisa vinda do Tejo. Como que me a fazer abrandar. Arrepia-me os pelos da mão. Ajeito a boina, puxo as golas para o pescoço. Meto as mãos ao bolso e assobio.
Baixo ligeiramente o volume. Os sons da cidade misturam-se agora com os acordes. Com aquela guitarra nervosa. A mão no bolso (porra que está frio) vai-se agitando. Os táxis, apressados como todos, vão abrindo caminho ao apito, como que se daquilo dependesse a sua sobrevivência. Todos os segundos contam nesta cidade. Tudo ao relógio, atrasado, mas como um relógio.
Inspiro as castanhas. Aquele fumo que me envolve enquanto o atravesso. Crava-se na mente. A textura, o suave escorregar da manteiga em miolo fumegante. A jeropiga que acompanha.
Sinto a chuva na testa. Volto a ajeitar a boina e a aconchegar ainda mais a gola. Olho em volta, os chapéus a abrirem-se. A multidão caminha apressada, entre fumos, apitos, negrume. Já não é dia, mas ainda não é noite. As luzes dos carros vão iluminado os recantos. As sombras ganham vida. Dançam comigo. E eu assobio.
Rua acima, como qualquer actividade prazerosa que requer esforço. Todas elas são de certo modo uma penitência. Um pedido de desculpas pelo antecipar do prazer. Um qualquer resquício de uma culpa sempre solteira.
A faixa muda. Uma voz feminina, lenta e arrastada. Linda. Vou cruzando olhares. Olhares baixos, cabeças baixas. Eu não. Enfrento a cidade de frente, conquisto passo atrás de passo. Um olhar fortuito aquece-me por momentos a alma. Um sorriso trocado, arranjado, imaginado. Vejo os teus lábios. As curvas, a cor. O suave trincar. A pequena cicatriz que não consegues resistir a lamber ocasionalmente. A maneira como eles sorriem para mim. Como as palavras escorregam lenta e sensualmente. Como suspiros que me entram directamente na alma.
Todas têm a tua cara. Todas têm o teu sorriso. Vejo-te em todas as sombras. És tu a minha companhia nestas ruas apressadas e escuras. És tu o meu porto seguro. Onde em cada piscar de olhos me vais dando a mão e sussurrando ao ouvido que está tudo bem.
A rua chega ao fim. Um aglomerado nos semáforos. A luz vermelha, teimosa, pisca ligeiramente. Como que a incentivar à passagem rápida. Avalio com calma os padrões de deslocamento, procuro uma abertura na multidão e lanço-me à estrada. O vento sopra forte, vindo do chão. Aquece-me momentaneamente. As luzes, todas elas, reflectem-se nas gotas nos meus óculos. Padrões psicadélicos e reconfortantes. Olho em volta à tua procura. Entre as sombras e as luzes. Tanta gente.  Páro. Apuro os meus sentidos. Sinto todos os ventos e todos os cheiros. Fecho os olhos por segundos, abstraio-me dos ruídos. Vejo-te nitidamente agora. Os contornos dos teus olhos, os ombros cobertos por uma cascata de caracóis. Esse teu sorriso. Toda a energia que necessito está aí. A tua silhueta, elegante. Um salto discreto. A contornar perfeitamente as tuas pernas. Uns collants pretos. Um vestido justo. E um casaco comprido. Linda! Estendes-me a mão. Ondulando ao vento.



Sinto os teus lábios nos meus. Tinha tantas saudades tuas!!

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