6.30.2014

O peso

Carregava nos ombros o peso da desilusão. Caminhava curvado, olhos cravados no chão, mãos enfiadas no bolso. Um assobio ligeiro ia acompanhando os decibéis que lhe eram debitados directamente no cérebro, numa tentativa frustrada de o calar. Passo célere, sem tempo para apreciar o caminho. Tudo era urgente. O destino, esse, incerto.
Caminhava invísivel. Marcas mínimas da sua presença. Passos leves, sem dar impressão. Sem rasto não há prova. Sem vestígio não existiu, não aconteceu. E tudo o que é impossível de seguir é também impossível de repetir. Cada passo era único, cada movimento uma repetição de momentos irrepetíveis.
Caminhava sozinho. Sem ninguém à sua volta, sem ninguém que lhe atrapalhasse o caminho. Sem ninguém que o obrigasse a desviar, que o obrigasse a levantar a cabeça.
Sozinho desapareceu. Sem deixar rasto. Sem ninguém o procurar. Sem ninguém o lembrar.

2.03.2014

Volta-se

Volta-se porque tem quer se voltar.

Larga-se tudo, não se olha para trás.
Tenta-se não se lembrar de tudo o que passou, de tudo o que conquistou.
De todas as pessoas que abraçou, de todos os lugares que visitou.
Todas as gargalhadas, noites mal passadas e mil e uma coisas partilhadas . Beijos, olhos semi cerrados e suspiros prolongados.
Tudo o que se aprendeu, viveu e conheceu.

Volta-se porque não há para onde ir.

Deixa-se amores e tremores.
Esquecem-se os passos e os espaços.
Apagam-se as memórias e as vitórias.
Subsituem-se as emoções pelas sensações,
O vazio pelo desafio,
A amargura pela aventura. 

Volta-se com vontade.

Em fazer mais, abraçar os pais.
Reencontrar amigos e aperfeiçoar conhecidos.
Relembrar sabores e cores.
Procurar a felicidade, religar-se à cidade.
Trocar a saudade pela vontade
Num constante exercício de agilidade.

É não perder a esperança,
Esse sentimento crucial,
Sem o qual não se tem a confiança,
De repetir o primordial. 
    

1.08.2014

First Kiss

My desire was greater than everything i ever felt. I kept on smiling, trying to hide my racing heart and my shaking hands. No words would come out. My thoughts were frozen, my brain just couldn't understand what was going on. I could only hear it, trying to jump of my chest onto your lap. I just wanted your touch, your warm embrace.
You were saying something. Your lips were moving but i couldn't pay attention to it. They were calling me, pulling me towards you. In my mind you could just as well being putting a spell on me. For sure it felt like it.
Enough. Your eyes were piercing through my soul. Your voice was finally heard, but it just kept on going worse. I was sure you could see my veins throbbing, my smile getting more anxious, my breathing becoming heavy. In that moment you were all i needed. All i ever wanted was right there, i could feel it just dancing around me, teasing and provoking me.
I got up, slowly. U kept on asking me what was going on. I moved towards you. Every inch of your face was telling me to not get any closer. But i couldn't stop. I wouldn't stop. I had no control over me, over my actions. I was driven by pure instinct. Finally i stop. I could see your smile changing. I was sure you could feel my energy at that distance. Undoubtedly you knew what i wanted.
This was the moment i was waiting for. I didn't care about the past nor the future. Time froze, everything stopped. It was just me and you.
I touch your face. Paying attention to every detail of it, like it was the first time i ever saw you. Breathing you in, letting your smell invade my senses. Your smile, always your smile, was inviting me in. But i had all the time in the world. I feel the back of your neck, slowly stroking it. Your eyes slowly close down. I feel your body touching mine. I pull you close to me, feeling your heart beat in my chest. A small hum was all i needed.

But just like that it was all gone.  It was just another dream. A delusion. I can feel you getting closer though. I've been in places i've never been before. Each new day brings me one step closer to the reality. Slowly i hear the music again. More than just a background noise. One day i'll hear you again. One day i'll feel you again.  One day i'll find you again. Whoever your are.

1.07.2014

This is not a love story

Chamas o meu nome. Saboreias a palavra, como se a maior iguaria se tratasse. Sinto-te a afagá-la gentilmente com os teus lábios, cada movimento da tua língua cuidadosamente pensado. Cada músculo da tua face sente-o. E eu sinto-o na tua voz. Sigo-o. O meu nome ecoa nas paredes, confunde-me. Faz-me perder nesse labirinto que é a tua existência. Sinto-te perto, mas não te consigo encontrar.

Desisto. Volto para trás, em busca do ponto de partida. Com tanta volta já não encontro a origem. Aliás pressinto que a minha origem, assim como o meu nome, vagueia contigo. Levaste-os para outro lado. Continuo, caminho em círculos, triângulos e quadrados. Até esgotar todas as hipóteses.

Encosto-me à parede. Cada rugosidade me conforta. Cada aresta viva amansa-me a alma. Contemplo-a. Cada brecha, cada pedaço de cimento arrancado. Mas ali está ela. Indiferente a tudo isto, a continuar o papel dela, de cabeça erguida e com a dignidade intacta. Sento-me numa pedra por ali caída. Ponho-me a pensar as voltas que esta pedra já deu. Toda a sua vida, longa, preenchida, violenta até. Até não ser mais que um simples impecilho, pontapeada e arrumada num qualquer canto. Mas aqui estou eu, a prestar uma devida homenagem, como que naquele momento sentar-me naquela pedra, naquele momento, naquela noite, estou a reconhecer a sua existência. Estou a dar-lhe a atenção que ainda merece.

Fico ali sentado não sei quanto tempo. As sombras mudam de sítio, vão dançando à minha volta. Vou brincando com elas. Um diálogo surdo, de movimentos e imperceptíveis interacções. Enrolo um cigarro, vagarosamente. Cada baforada de fumo é mais uma pincelada naquela tela que se estende à minha volta. Inspiro fundo, fecho os olhos e aprecio o silêncio da minha rua. Pelo menos é minha durante aquela noite. Controlo-a, conheço já cada canto e recanto. E ela já me conhece a mim.

 --------------------------------------------------------

Nestes momentos apercebo-me da minha insignificância. Estou sozinho afinal. Limito-me a controlar o inanimado, o que é pacato e escuro, as sombras moldáveis, a natureza sem vontade, as coisas frágeis, tudo. Menos o fogo. O teu fogo.

E quando sou eu a chamar por ti? Sentes? Acho que simplesmente ouves, como estás predestinada a ouvir qualquer voz, qualquer estímulo. Mas e se eu gritar? Como já te gritei tantas vezes… Palavras duras, dilacerantes, tudo dito com um propósito estrategicamente definido, a intenção de te ecoar na cabeça repetidamente, como se te enfiasse aqui, dentro do meu peito vazio, e te trancasse sem piedade. Como se está mal aqui dentro - pensas tu - assustada e frágil. Por esta hora já deves estar a sufocar, asfixiada, enquanto tentas gritar desesperadamente para que te deixe sair. Pois é… Vive-se mal dentro de mim, mas eu quero que tu experimentes… E essa viagem, fazes através das minhas palavras, as piores, que tenho guardadas só para ti.
 
Comoves-me. Sempre tiveste essa capacidade, de me comoveres a mim e aos outros, com esse teu excesso de ternura e de bondade. Que criatura mais bonita essa tua pessoa. E quando te descobri por dentro, por dentro dessas roupas, pensava que eras cândida mas afinal eras fogo. E a tua bondade onde estava? Afinal eras animal. Nada contra. Só me esqueci de te dizer que, depois de convertida em pecadora, nunca mais olharia para ti da mesma forma.

Descontrolaste-me e eu comecei a perder-te. Mas como assim perder-te? Jamais permitiria isso. Eu estava dentro de ti, e tu, sempre que fugias, levavas a minha pulsação contigo. Obrigaste-me a correr para salvar a minha vida. Corria atrás de ti completamente demente, em autênticos labirintos que já confundia com as minhas próprias entranhas, caminhos confusos que pareciam os da minha consciência.

Encostei-me à parede e aguardei calmamente. Optei pela contemplação do tempo e do futuro, até que chegou o dia em que te encontrei e segurei. Como foi bom sentir-te. Percorri-te toda enquanto ainda estavas quente, e como arfavas… Converti esse respirar de terror em prazer, para mim, estavas a gemer por me teres. Foi tão bom, lembras-te? Claro que não…

No fim, olhavas o vazio, enquanto eu enrolava um cigarro vagarosamente. Entre baforadas densas e silenciosas, encostei a tua cabeça naquela pedra. Ainda hoje lá permanece a tua marca, a vermelho, a cor do teu batom.

Agora, sinto-te perto, e já sei onde te encontrar.



Texto com a colaboração de Ana Luísa Costa.