1.07.2014

This is not a love story

Chamas o meu nome. Saboreias a palavra, como se a maior iguaria se tratasse. Sinto-te a afagá-la gentilmente com os teus lábios, cada movimento da tua língua cuidadosamente pensado. Cada músculo da tua face sente-o. E eu sinto-o na tua voz. Sigo-o. O meu nome ecoa nas paredes, confunde-me. Faz-me perder nesse labirinto que é a tua existência. Sinto-te perto, mas não te consigo encontrar.

Desisto. Volto para trás, em busca do ponto de partida. Com tanta volta já não encontro a origem. Aliás pressinto que a minha origem, assim como o meu nome, vagueia contigo. Levaste-os para outro lado. Continuo, caminho em círculos, triângulos e quadrados. Até esgotar todas as hipóteses.

Encosto-me à parede. Cada rugosidade me conforta. Cada aresta viva amansa-me a alma. Contemplo-a. Cada brecha, cada pedaço de cimento arrancado. Mas ali está ela. Indiferente a tudo isto, a continuar o papel dela, de cabeça erguida e com a dignidade intacta. Sento-me numa pedra por ali caída. Ponho-me a pensar as voltas que esta pedra já deu. Toda a sua vida, longa, preenchida, violenta até. Até não ser mais que um simples impecilho, pontapeada e arrumada num qualquer canto. Mas aqui estou eu, a prestar uma devida homenagem, como que naquele momento sentar-me naquela pedra, naquele momento, naquela noite, estou a reconhecer a sua existência. Estou a dar-lhe a atenção que ainda merece.

Fico ali sentado não sei quanto tempo. As sombras mudam de sítio, vão dançando à minha volta. Vou brincando com elas. Um diálogo surdo, de movimentos e imperceptíveis interacções. Enrolo um cigarro, vagarosamente. Cada baforada de fumo é mais uma pincelada naquela tela que se estende à minha volta. Inspiro fundo, fecho os olhos e aprecio o silêncio da minha rua. Pelo menos é minha durante aquela noite. Controlo-a, conheço já cada canto e recanto. E ela já me conhece a mim.

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Nestes momentos apercebo-me da minha insignificância. Estou sozinho afinal. Limito-me a controlar o inanimado, o que é pacato e escuro, as sombras moldáveis, a natureza sem vontade, as coisas frágeis, tudo. Menos o fogo. O teu fogo.

E quando sou eu a chamar por ti? Sentes? Acho que simplesmente ouves, como estás predestinada a ouvir qualquer voz, qualquer estímulo. Mas e se eu gritar? Como já te gritei tantas vezes… Palavras duras, dilacerantes, tudo dito com um propósito estrategicamente definido, a intenção de te ecoar na cabeça repetidamente, como se te enfiasse aqui, dentro do meu peito vazio, e te trancasse sem piedade. Como se está mal aqui dentro - pensas tu - assustada e frágil. Por esta hora já deves estar a sufocar, asfixiada, enquanto tentas gritar desesperadamente para que te deixe sair. Pois é… Vive-se mal dentro de mim, mas eu quero que tu experimentes… E essa viagem, fazes através das minhas palavras, as piores, que tenho guardadas só para ti.
 
Comoves-me. Sempre tiveste essa capacidade, de me comoveres a mim e aos outros, com esse teu excesso de ternura e de bondade. Que criatura mais bonita essa tua pessoa. E quando te descobri por dentro, por dentro dessas roupas, pensava que eras cândida mas afinal eras fogo. E a tua bondade onde estava? Afinal eras animal. Nada contra. Só me esqueci de te dizer que, depois de convertida em pecadora, nunca mais olharia para ti da mesma forma.

Descontrolaste-me e eu comecei a perder-te. Mas como assim perder-te? Jamais permitiria isso. Eu estava dentro de ti, e tu, sempre que fugias, levavas a minha pulsação contigo. Obrigaste-me a correr para salvar a minha vida. Corria atrás de ti completamente demente, em autênticos labirintos que já confundia com as minhas próprias entranhas, caminhos confusos que pareciam os da minha consciência.

Encostei-me à parede e aguardei calmamente. Optei pela contemplação do tempo e do futuro, até que chegou o dia em que te encontrei e segurei. Como foi bom sentir-te. Percorri-te toda enquanto ainda estavas quente, e como arfavas… Converti esse respirar de terror em prazer, para mim, estavas a gemer por me teres. Foi tão bom, lembras-te? Claro que não…

No fim, olhavas o vazio, enquanto eu enrolava um cigarro vagarosamente. Entre baforadas densas e silenciosas, encostei a tua cabeça naquela pedra. Ainda hoje lá permanece a tua marca, a vermelho, a cor do teu batom.

Agora, sinto-te perto, e já sei onde te encontrar.



Texto com a colaboração de Ana Luísa Costa.  

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